Quando digo que sou traumatizada de ficar sozinha, as pessoas sequer cogitam sobre o que estou falando, sabe? É como se estivesse falando em braile, sei lá, imaginem que isso fosse possível!
Naquela noite disse a ele que não queria ir na reunião daquele povo estranho e por povo estranho me refiro ao grande abismo entre nós; eu e eles. Também sou uma estranha, mas não trabalho com assassinatos e não escravizo entidades sobrenaturais para cumprirem obrigações vis. Sou apenas simpática aos mistérios e eles sempre gostaram de descansar ao meu lado e pastar grama em minhas mãos quando nos encontramos por aí em nossas rotas coincidentes. Sou uma admiradora dos mistérios e gostaria de protegê-los.
Quando chegamos ao encontro senti vontade de correr dali. A casa daquela noite ficava um pouco afastada da cidade, numa região de muito mato e poucos muros. Segui as mulheres observando suas costas sob a luzinha desanimada do poste que iluminava a parte da frente do terreno e a entrada da casa.
Quando você é introvertido e faz força para estar presente socialmente é difícil estar atento ao desenrrolar de detalhes que acontecem mais ao longe.
- Cadê A.? - perguntei já olhando ao redor para uma das mulheres com quem conversava.
Sagaz, ela respondeu que não sabia.
Com o copo de uísque em mãos fui caminhar ao redor na casa, pisando no chão de terra seca. Engraçado como o coração fica nessas horas, um pombo cego se debatendo em um quarto.
- A.? Cadê você? - não o encontrava do lado de fora, nem do lado de dentro, olhando através das janelas abertas - A.? Cadê você porra?
Senti a voz ir embargando, e embora fosse bem adulta, isso sempre acontecia quando percebia que tinha sido deixada sozinha.
Havia uma ultima janela a ser olhada. Ele tinha que estar ali dentro. E estava! Quando o vi senti náusea e revolta. Estava entre os homens vestidos de preto, desmaiado, com a cabeça encostada no ombro de alguém com cabelos longos e negros. Havia mais de quinze pessoas ali dentro sentadas ao redor de algo e uma voz se destacava, como se proferisse um encantamento ou reza.
- Seus malditos! O que fizeram com ele?
Comecei a gritar do terreno em direção à sala iluminada.
- Malditos! Vou entrar aí dentro!
- Não vai não!
Duas mulheres me agarraram e me deram algo para cheirar. Em seguida fui amarrada ao pé de uma arvore, enquanto elas riam da minha revolta e da situação.
- Ela não é como nós. Ele nao devia tê-la trazido. Ela atrapalha demais.
- Até que conseguimos distraí-la por algum tempo.
Senti a cabeça latejar durante boa parte da madrugada enquanto as mulheres iam e vinham com copos na mão dando risadas e falando sobre entidades e trabalhos. Uma vez ou outra as ratazanas punham o nariz para fora de casa para se certificarem de que eu ainda estava lá amarrada.
Antes do nascer do sol levantei o corpo úmido do chão e constatei com agonia de que não havia mais ninguém por ali. A corda que me mantivera presa havia sido cortada.
Entrei dentro da casa gritando por A. mas não havia vestígios de mais ninguém. Ele tinha sido levado por aqueles monstros sabe-se lá para onde e com que fim.
Meu ódio maior contra eles é que os poderosos jamais se envolviam com os espíritos baixos. Eles colocavam pessoas aspirantes a entrarem no grupo, como meu marido, para executarem as tarefas mais imundas. Eles o drogavam, o usavam como um boneco.
Por ali so restaram garrafas vazias, cinzeiros cheios e um cheiro azedo.
Nem sinal de A. e me sinto traída por ele. Não adianta pedir que não se envolva, que fique longe. Ele não resiste. E recentemente até me olhava torto e acabávamos brigando.
Estou com o coraçao morrendo de ódio dele, e mais ainda desses ocultistas a quem ele venera.
Aonde vou encontrá-lo e como?
Estou com um gosto horrível na boca e carregando um peso maior que eu. Nada é simples pra mim. Descobri há dois dias que estou grávida, e o filho não é dele. Estou cansada, e toda essa sitação está fazendo meu corpo cozinhar de ódio.
Caminhando em direcão a estradinha na entrada da casa encontro o carro dele com a chave, que ele certamente deixou porque sabia que não ia voltar tão cedo dessa reunião idiota.
Pelo menos tenho como chegar em casa e tomar um banho fervendo...
(Continua..)
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