terça-feira, 25 de maio de 2021

Cuidado com hotéis!

Não era preciso ser perito em construção para perceber que a habitação havia sido mal reformada. Em determinados lugares, relevos grosseiros nas paredes indiciavam uma nova camada de tinta aplicada sem nenhum tipo de preparação ou capricho, fruto de um serviço recente e barato.

Sobre o carpete cinzento havia uma cama com a cabeceira posicionada abaixo da janela de venezianas fechadas e emolduradas por graciosas cortinas que se alongavam sumindo por detrás da madeira escura. Um abajur, alguns móveis e um banheiro sem graça completavam a típica suíte do hotel mediano em que me instalara.

Reparei num certo odor estranho que se misturava à tinta, parecia - fiz um leve esforço lembrar do que era - parecia umidade. Imediatamente lembrei da casa de minha falecida tia, completamente mofada devido a infiltrações que ela nunca arrumava por falta de dinheiro. O problema piorava ainda mais com a falta de sol do bairro verticalizado.

Desconfortável e querendo afastar as lembranças e o odor fui em direção à janela. Precisei colocar um dos joelhos sobre a cama para alcançar o vidro que deslizei para o lado direito. Sacudi nervosa a trava da veneziana de madeira que estava grudada devido ao excesso de tinta nova que não fora limpo. O ar inerte estava começando a me irritar.

Quando finalmente abri as duas portas de madeira tive um choque. Senti um espasmo percorrer meu corpo e o coração socar minhas costelas. Cobri a boca com as mãos como se pudesse atenuar o horror que se descortinou ali.

Um cemitério engolira o horizonte que supostamente imaginei que veria. Lápides simples e pequenos mausoléus de granito povoavam o que deveria ser o jardim do hotel. Arvores peladas e retorcidas flutuavam com suas bases escondidas pela neblina que pairava imóvel entre os jazigos e cruzes, transformando a visão toda num jardim da morte aterrador.

A imensa necrópole de limites etéreos jazia em profundo silêncio, iluminada pelos raios compridos e baixos do final de tarde.

Com os dois pés afundando no colchão debrucei-me sobre a janela e senti que aquilo só poderia ser fruto de um pesadelo. Ali do lado de fora, logo abaixo de mim, havia um túmulo! Um túmulo construído tendo uma lateral em comum com a parede do próprio quarto em que me instalara. Sobre ele havia uma cruz caiada do lado esquerdo impedindo que a veneziana se abrisse por completo daquele lado.

Puxei a veneziana de volta com rapidez, como se algo pudesse puxar minha mão do lado de fora, e a abri com toda a força sobre a cruz que se estatelou sobre o chão com um barulho oco e úmido.

Os detalhes revelavam-se aos poucos, tornando-se nítidos demais para um pesadelo. 

Havia um corpo, ou o que quer que fosse sepultado atrás da parede do quarto em que dormiria. Um corpo ali, coladinho à minha cabeça! E havia muito mais. Uma legião de mortos que nem cimentos, nem janelas podem barrar.

O hotel revelara-se um adendo de um jardim de mortos..

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Mesmo que siga sozinha. Não estou sozinha.