segunda-feira, 24 de junho de 2024

Peste anti-escarlate

Curioso que o fim dos dias tenha sido numa noite. Uma carga viral lançada no centro de uma megalópole roeu o planeta ate os ossos em quarenta e oito horas.

Nao adiantou subir aos lugares mais altos, trancar-se com grupos de seletos amigos, acompanhar a bolsa de valores explodir por aplicativos (enquanto houve internet) ou refugiar-se em subsolos.

A doença transformava humanos em zumbis e a unica maneira de evitar o contágio, que acontecia através de mordidas e arranhões, era usar consigo ou apenas estar tocando , com uma das mãos, um objeto de cor vermelha. Podia ser uma roupa, uma fotografia, a capa de um livro ou até mesmo uma parede desta cor.

Com a descoberta, houve uma locomoção desesperada de grupos que se juntavam apenas pelo objetivo da busca. Muitos eram atacados por zumbis ou, padeciam em lutas horríveis entre si pela posse dos objetos vermelhos.

Pessoas se acumularam em galpoes, em restaurantes, em grandes comércios e, logo aconteceram perigrinacoes de sobreviventes solitarios pelo mundo.

Parece irônico, mas, quase em seguida, o planeta foi acometido por grandes abalos sísmicos e o que já estava quase encerrado, foi o capítulo final para a sociedade.

Fileiras de bairros foram abaixo desmoronando em ondas de entulho que engoliram tudo ao redor. A poeira secou a garganta dos sobreviventes humanos e zumbis, mas os ultimos não se importaram.

Estive lá, migrei, lutei. Fui consumida pelo medo interminável do fim e do próximo. Carreguei comigo objetos vermelhos e muitas vezes os perdi em assaltos.

Comigo veio um jovem rapaz, que logo passei a gostar, pois protegeu-me inúmeras vezes. Nas noites em que conseguia dormir, agachada em qualquer canto escondido, sonhava com ele. E durante infinitas caminhadas pela “devastidão”, ele esteve ao meu lado.

E nós nos casamos. Sobrevivemos aos terremotos e nos casamos. Véu e grinalda sobre os escombros do mundo.

sábado, 22 de junho de 2024

Xaman eyes

Esta tambem, de 5 anos atras.

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Na madrugada, o reflexo no espelho não significa nada, mas logo abaixo, os dedos que se dobram parecem estar em câmera lenta. Andar quase se torna um martírio. Um pé após o outro. Um. Depois outro. Essa melancolia que reveste o ar, abafa os sons, enrreda o coração. Tléck, a luz se apaga e a escuridão atrás é a mesma logo a frente.

A dor equalizada perfeitamente para não matar. Tortura. Ela não pode morrer. 

Como um verme infeliz arrasta-se à janela. Lua minguante, imprópria para feitiços do amor. E o que é próprio, além dos nomes fúteis?

Se tudo se desfaz, se tudo é uma fase - ela pensa - esta também passará. 

Mas não se esqueça que a dor é intermitente! - a vózinha sílfide irritante.

É possível visitar as entidades insanas e voltar?

Qual o limite da dor?

Os mestres dizem que quando se está no limite ainda restam 10% de forças. Isso para tudo.

Nos infinitos 10% busco teus olhos rasgados. Xamânicos. Nos imensuráveis 10% os diálogos curtos. 

Esperança.

terça-feira, 18 de junho de 2024

A cara do ouro.

Tocada de leve pelas asas da depressão. Um resvalo que gostaria de ter evitado. Talvez o inverno que tarda, talvez o inverno que não venha. Pra ser sincera é a cara dessa paixão pervertida pela dor, que quando surge, me empurra para a beleza subterrânea; para a selvageria úmida das grotas.

Essa cara que tinha por desaparecida. Face maldita, tentando voltar.


Mesmo que siga sozinha. Não estou sozinha.