segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Um templo erigido à Santa Muerte

Amor, trama intrincada

Anjo ou algoz?

Uma bebida para quase ninguém

Vida, morte, transformação.

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Tenho motivos fortes para acreditar que a visita a este local só foi possível através do convite de um poderoso amante em trevas; afinal, de que outra maneira poderia eu ter acessado a entidade?

... 

No céu da boca da noite desenhou-se um tênue contorno. Aos poucos, as linhas ganharam definições retilíneas, revelando as paredes de uma mansão, que cresceram e se estenderam opressoras conforme me aproximei de sua entrada.

As paredes vinho escuras e as poucas janelas abrindo-se em rasgos horizontais sussurravam o que já sentia ressonar dentro de mim.

É preciso se humilhar, é preciso paciência. Uma visita deste tipo vai arrancar muito do que você tem, mas presentear-lhe-á com regalos únicos - uma vez que você saiba o que fazer com eles, lógico - vale o preço.

A presença da entidade era forte e permeava todo o local, deixando-o inebriante, e atrativamente pesado.

Lugares como este não têm tempo, e portanto não podem ser acessados com facilidade. As dimensões estão fora do que se conhece entre os homens.

Fui guiada até um quarto claustrofóbico por uma entidade de rosto coberto. Durante o caminho percebi que outros visitantes eram separados e encaminhados ao que pareciam ser mais claustros de espera.

Não posso precisar quanto tempo aguardei. Dias? Horas?

Chegado o momento, abandonei o quarto seguindo o véu de outra entidade. Caminhamos por um pátio interno, onde sentia a presença intensa de vigilantes escondidos. Lembro da dor no peito, e do júbilo. Prazer e medo andando de mãos dadas.

Ao fim do pátio atravessamos um portal para um jardim de muralhas tão altas quanto as paredes exteriores do pequeno castelo. Quando percebi, estava sozinha..

Lá estava ela, entre as sombras da vegetação. Uma deusa de estatura humana, com os pés descalços sobre um altar de alvenaria.

Os olhos fechados estavam emoldurados por uma maquiagem negra que pintava as pálpebras e boa parte da pele ao seu redor. Os cílios curvavam-se eroticamente para cima, em direção à coroa de rosas também negras.

Senti vontade de gritar quando vi serpentes ondulando cheias de luxúria, em meio aos cabelos que lhe desciam até a cintura, cobrindo em parte os mamilos nus.

Um amor de mil vidas pesou sobre minha alma, e fui possuída por um desejo sexual intenso quando ela finalmente abriu os olhos e mirou-me profundamente.

Ao redor de seu pescoço um colar de minúsculas caveiras humanas (?) passou a vibrar um canto ritual, um convite sem possibilidade de salvação.

Caí de joelhos e beijei seus pés tomada por adoração.

Em minha mente lhe disse que queria penetrar a imensidão sem luz por trás de suas pupilas.

Um caos começou devagar e se expandiu.

Mãos me enlaçaram e me arrancaram de sua presença. Percebi lentamente que a mansão viria abaixo, esmigalhando os devotos entre suas paredes.

É tarde demais, porém ainda saio com vida, protegida pelo admirador que me proporcionou a visita. Sob seu manto, carregada no lombo da montaria bestial, percebo que tornei-me devota de Santa Muerte.

 

- Em estudo -

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Mesmo que siga sozinha. Não estou sozinha.